Pré-candidatos a presidente da República do PCdoB e do Partido Novo divergem sobre a operação Lava Jato e a condenação e prisão de Lula – Simões Filho Fm
Redação

Pré-candidatos a presidente da República do PCdoB e do Partido Novo divergem sobre a operação Lava Jato e a condenação e prisão de Lula


 
 
 

O acirramento da disputa entre esquerda e direita ganhou agravantes como o assassinato da vereadora Marielle Franco e a prisão do ex-presidente Lula. No momento em que os discursos parecem cada vez mais intolerantes, ÉPOCA convidou representantes de lados opostos do espectro político que concordaram em discordar. Os presidenciáveis Manuela D’Ávila, pré-candidata do PCdoB ao Palácio do Planalto, e João Amoêdo, lançado pelo Partido Novo para a disputa, responderam aqui às mesmas perguntas.

MANUELA PINTO VIEIRA D'ÁVILA E JOÃO DIONISIO AMOÊDO (Foto: FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM/FOLHAPRESS | PAULO GIANDALIA/ESTADÃO CONTEÚDO)

O que achou do julgamento do habeas corpus de Lula no STF e como a prisão do ex-presidente muda as eleições de outubro?

Manuela D’Ávila Primeiro, acho que do julgamento decorre a necessidade de a gente construir uma frente em defesa das garantias e liberdades individuais. Os cinco ministros que julgaram a favor da Constituição, em defesa das liberdades, eles demonstraram claramente: nós estamos diante de uma divisão, entre se vamos seguir acumulando o mínimo marco civilizatório que nós alcançamos pós-Constituição de 1988 ou não. Achei que foi uma derrota da Constituição, das liberdades e das garantias individuais. Uma derrota do Brasil. E dois: nós teremos uma eleição marcada por um período com ares de exceção, e o Lula representará isso porque será um preso político.

João Amoêdo Eu já achava que o Lula não iria concorrer, já acreditava que ele fosse ser condenado e fosse ficar inelegível. De qualquer forma, esperaria um pouco para ver se de fato ele não vai pleitear a vaga. Achei o julgamento bom, de fato, porque mostra ao Brasil que as instituições funcionam, não tão bem, mas funcionam. Tinha muitas dúvidas, mas achei bom. Só acho que não deveria ter tido esse nível de exaltação. Minha sensação é de alívio por a justiça estar sendo feita de forma equânime para todos os brasileiros. O cenário muda para as eleições, mas acho que ainda é cedo para saber como é que vão se distribuir os votos de quem estava pensando em votar nele. É prematuro ter uma ideia do que vai acontecer.

Como avalia a estratégia de Lula e do PT nas horas que antecederam a prisão do ex-presidente?


MD
 Avalio que Lula conduziu o processo com serenidade, solidariedade e indignação.

JA Não gosto muito da ideia de tentar criar a vitimização do Lula. Felizmente acho que o procedimento do Moro e da PF foi adequado para não tentar criar a história de vítima. Sobre ele ter ficado no sindicato, é o tipo da coisa que eles (Lula e o PT) acham que funciona, mas achei ruim. O sujeito estava condenado. Ele tinha de dar o exemplo logo e dizer: “Olha, sou inocente e vou para lá para tentar provar minha inocência”. Mas não se entocar, dando a leitura clara de que se julga acima da lei. Acho que é uma estratégia que no fundo agrada a quem gosta dele, mas, para quem não gosta, é pior.

A Lava Jato é…?


MD
 A Lava Jato se desvirtuou de seu papel originário. Com a justa motivação inicial de combater a corrupção, acabou virando um instrumento de luta política. É uma operação que começou a infringir regras legais e constitucionais, com uma motivação bastante clara de perseguir um partido político e um campo político quase que exclusivamente. Basta ver a condenação sem provas do presidente Lula.

JA A Lava Jato é um avanço do Brasil, um avanço para o Brasil e um exemplo de que existe muita coisa a ser feita no país.

Se não morasse no Brasil, onde viveria?


MD
 Não consigo me imaginar vivendo fora do Brasil.

JA Austrália ou Nova Zelândia, pelo fato de serem países desenvolvidos, com clima bom e que prezam a liberdade.

Quem é seu ídolo na política?


MD 
Não tenho ídolos na política. Construí minha trajetória vinculada ao movimento social e ao movimento estudantil, que é minha origem. Não tenho familiares na política. Acredito nessa força da coletividade. Sempre penso que existiram mulheres pioneiras na política, que lutaram lá atrás de forma coletiva pelo direito ao voto e pela libertação dos escravos, por exemplo. Houve muitos movimentos coletivos que me inspiram, mais do que pessoas.

JA Olha, como pensador, gosto muito do Roberto Campos. Como estadista, do Churchill (Winston Churchill). Um pelas ideias corretas, mesmo enfrentando uma grande resistência em seu tempo. E o outro pela liderança, pela coragem, pelo exemplo que deixou à nação.

Defina o Bolsa Família.


MD 
O Bolsa Família é uma política pública eficiente, comprovada cientificamente. Existe ciência em política pública. Esse é um dos problemas do Brasil, trabalhar sem evidência científica — o que dá e o que não dá certo, o que tem e não tem resultado e qual o resultado.

JA O Bolsa Família é necessário porque dá uma renda mínima para quem está na miséria absoluta, mas ele tem de ter uma porta de saída para de fato não se tornar um proble… um programa somente assistencialista e que se perpetue. A porta de saída mais importante seria a educação, a qualificação das pessoas, para que de fato elas possam exercer a cidadania plena.

Entre vocês, quem é o novo e quem é o velho?  Por quê?


MD 
Na minha interpretação, eu represento a renovação real da política. Sou uma mulher jovem que construiu a trajetória com as próprias pernas, sem ter um partido grande, sem ser aliada aos interesses econômicos ou a um projeto que represente os interesses econômicos mais expressivos do mundo, que atuam inclusive no Brasil hoje. Eu me vejo assim na vida real, não como elemento de discurso. Minha trajetória foi assim sempre. Acho que sou o novo na política de fato, do ponto de vista da forma como me elegi e como construí minha trajetória. Não acredito que o novo é a negação da política. Não acredito que é novo o discurso de que os partidos não são instrumentos importantes. Ou que é possível concorrer a uma eleição só com dinheiro privado, como o partido dele (João Amoêdo). Isso para mim não é novo. Isso é o velho, isso já existia. Mas não essa dicotomia de colocá-lo como velho, porque isso pode gerar um outro sentido que eu jamais daria, porque isso seria deseducado e eu não sou deseducada.

JA Gosto sempre de falar das ideias. Então, as ideias no Brasil de que o Estado vai resolver todos os nossos problemas e que, concentrando poder no Estado, isso vai funcionar são ideias que ela (Manuela D’Ávila) tem, que no meu entender são ideias velhas, que não funcionaram em nenhum lugar do mundo para trazer prosperidade. E as ideias que prego é que o cidadão tenha mais liberdade, mais recursos em seu bolso e seja o protagonista de sua vida. Acho que essas são as ideias da modernidade que fazem com que as nações consigam evoluir.

O Brasil está mais perto de ser liberal ou progressista?


MD 
O Brasil está mais perto de ser um laboratório de ideias liberais que não deram certo em lugar nenhum do mundo.

JA O Brasil hoje ainda é um país muito socialista, infelizmente, e por isso os resultados são tão ruins, apesar de termos uma nação rica com um povo bastante empreendedor.

Quem criou tudo? Deus ou o mercado?


MD
 Bah… Deus e os homens e as mulheres. Quem criou tudo foi o mercado? Alguém responderia que sim para isso? Eu particularmente acredito em Deus, mas não acredito que Deus criou tudo. Acho que os homens e as mulheres, sobretudo os homens, criaram muitas coisas ruins. As guerras, por exemplo. As mortes. É injusto colocar as coisas que os homens construíram, como os sistemas de governo pouco democráticos ou a concentração de renda, em Deus, não é?

JA É… a origem… eu, como sou católico, acredito que a origem toda veio de Deus, não tem como ser diferente. E, depois, a criação é sempre dos indivíduos, que são de fato os agentes de mudança.

No segundo turno, vai apoiar quem?


MD
 Eu mesma.

JA Eu, se não for eleito no primeiro turno, pretendo estar no segundo muito firme. Então não vejo outra opção que não seja o apoio a mim mesmo.

Onde quer ver Lula em 1º de janeiro?


MD
 Quero vê-lo em minha posse no Palácio do Planalto.

JA Espero que a lei seja cumprida e que ele realmente, como já havia sido definido no passado que a prisão após segunda instância faz parte do roteiro da Justiça, esteja preso.

Onde você quer ver Michel Temer em 1º de janeiro?


MD 
Não quero encontrar com ele em 1º de janeiro. Vai ser um dia feliz. Vou estar tomando posse, não estou pretendendo encontrá-lo. Ele não vai estar preso ainda, porque não vai ter tido tempo para isso acontecer, mas espero que ele esteja pelo menos começando a responder de verdade por tudo que fez ao Brasil.

JA Espero vê-lo passando a faixa presidencial para uma pessoa que tenha condição realmente de representar o Brasil e fazer com que a gente tenha uma nação que prospere, e a partir dali se dedicando a suas tarefas e também sendo alvo das investigações finais que pesam sobre ele. Quer dizer, respondendo a tudo que são as investigações e os questionamentos que há sobre a sua gestão no passado, não é?

Qual o maior erro político que já cometeu?


MD 
Olha, nunca cometi nenhum grande erro. Minha trajetória já é bastante longa, tenho 20 anos de militância e 14 de mandato. Acho que cometi pequenos erros cotidianos e tentei recuperá-los, porque a gente precisa sempre ter capacidade de interpretar os erros que comete e se reposicionar, dialogar. Não me lembro de um grande erro, embora tenha vivido momentos difíceis. Isso não significa que estou dizendo que não tive erros.

JA Não ter me envolvido antes na política. De ter entendido que a política era algo de que a gente devia estar ausente, delegar isso para terceiros, e o resultado está aí.

Quanto pretende gastar na campanha e como pretende se financiar?


MD 
A gente vai gastar uma parte de nosso fundo partidário, mas vai gastar sobretudo aquilo que estamos arrecadando pela nossa plataforma, que se chama manupelobrasil.org.br, uma vaquinha virtual. A gente vai usá-la exclusivamente para as viagens. Os vídeos de minha campanha são feitos por celular, não têm basicamente custo, e a vaquinha é para complementar os custos de nossas viagens, que é a parte mais cara. A gente tem limites para a quantidade de dinheiro que as pessoas podem doar, são os limites legais. Se tiver bastante doação, vai ser mais, se tiver menos, vai ser menos.

JA O valor da campanha hoje… o teto é de R$ 70 milhões para a candidatura à Presidência. Não fechamos ainda o número que a gente pretende, mas imagino fazer uma campanha muito mais barata do que isso, gastando aí não mais do que 10% a 15% desse valor. E o financiamento virá basicamente de doações de pessoas que se identificam com os princípios e valores que o NOVO defende. Seriam pessoas físicas, a grande maioria delas já é filiada ao NOVO ou já contribui com o partido e tem interesse em ajudar na implantação de um modelo diferente de Estado, que consiga realmente trazer uma qualidade de vida melhor, especialmente para os mais pobres.

Que livro indica para entender o Brasil de hoje?


MD
 O novo do Jessé Souza, A elite do atraso, que é um bom livro. Para entender o Brasil de hoje, há clássicos também como O povo brasileiro, do Darcy Ribeiro.

JA Olha, para entender o Brasil de hoje é difícil, porque é uma complexidade… eu gosto do livro do Flávio Gordon A corrupção da inteligência, acho que é um livro interessante para entender um pouco do Brasil.

O aborto é…


MD
 Um debate de saúde pública.

JA O aborto é uma opinião pessoal de cada um. Em meu caso, sou contra o aborto. Acho que a gente tem de preservar a vida desde a concepção.

Quem foi Marielle Franco?


MD
 Uma lutadora do povo brasileiro, pelo povo brasileiro e com a cara do povo brasileiro.

JA Uma vereadora do PT que teve uma história de vida… desculpe, do PSOL… que teve uma história de vida interessante, que foi lutadora, eventualmente com conceitos que considero errados em algumas questões, mas alguém que estava lutando pelo bem da população dentro daquele roteiro que ela achava que estava correto e acabou sendo vítima de um país muito violento como o Brasil.

Privatizar ou estatizar?


MD
 É melhor desenvolver, e para desenvolver não podemos privatizar setores estratégicos para o Brasil, como é o caso da energia, que é estratégico para a indústria e para a soberania nacional.

JA Certamente é melhor privatizar. Primeiro, porque as pessoas devem ter liberdade de escolher de quais empresas são acionistas ou não. Não faz sentido que nós todos sejamos obrigados a ser acionistas dos Correios, da Petrobras, do Banco do Brasil e da Caixa. Segundo, porque a gestão privada, que justamente busca o resultado, o lucro, e se não houver lucro a empresa acaba deixando de existir, faz com que você tenha uma gestão muito mais eficiente. Terceiro, porque as empresas públicas acabam sendo muito utilizadas para indicações políticas, e consequentemente os serviços são ruins, os resultados piores, e essa conta volta para o cidadão. Como está provado em todos os lugares do mundo, as empresas mais eficientes são privadas. No Brasil, a gestão pública cria um ambiente propício para a corrupção com uma quantidade grande de empresas estatais.

Casamento gay, você é a favor?


MD
 A favor. Aliás, acho que o Estado tem de deixar de tutelar a vida das pessoas. As pessoas têm de ter o direito de ser quem elas quiserem ser e viver como quiserem viver.

JA Sou a favor, acho que as pessoas têm de ter liberdade de fazer a união homoafetiva.

O que pensa sobre a legalização das drogas?


MD
 Eu defendo um debate. Não faria isso monocraticamente, mas defendo um debate sobre uma nova política de drogas. Defendo a tributação de drogas e o uso do recurso para a prevenção e reparação de áreas que tiveram conflito com o tráfico.

JA Neste momento do Brasil, com tantos problemas a ser resolvidos, não colocaria isso como uma prioridade, não mexeria nisso no momento. É trazer mais uma variável para vários problemas que têm de ser resolvidos. A gente não tem ainda um exemplo no mundo que pudesse ser adotado como padrão para o combate às drogas, ou mesmo um exemplo de legalização que tenha funcionado de forma muito eficaz, então eu deixaria exatamente como está e não partiria para a descriminalização das drogas neste momento.

Militares nas ruas ou no quartel?


MD 
Defendendo a soberania nacional com seu papel constitucional. No sentido da intervenção militar para policiamento, não faz parte das atividades para as quais eles são preparados. Não resumo o papel dos militares ao quartel. Eles não têm papel previsto na segurança pública, não são capacitados para isso e isso os desvirtua das tarefas estratégicas deles da defesa do Brasil e da soberania nacional. As Forças Armadas têm seus próprios projetos estratégicos para o desenvolvimento do país, então não se trata de dizer “no quartel” ou “na rua”. A intervenção militar é um erro. A ideia de que possam cumprir o papel de executor de uma política de segurança pública é um equívoco, mas isso não resume a ideia de que eles tenham de estar dentro do quartel. Eles têm de estar cumprindo seu papel constitucional, da defesa da nação, da soberania e do território.

JA Os militares têm sua função de proteção do Estado, das fronteiras… Nas ruas, têm de estar apenas em situações muito específicas, como a gente está vendo aí no caso da intervenção no Rio, mas isso tem de ser sempre uma exceção, não é o que se espera deles. Eu sou a favor da intervenção federal decretada pelo presidente Temer, mas entendo que ela foi mal planejada, feita de improviso, e que tem caráter eleitoral e coisas a ser melhoradas. Sobre o questionamento entre não existir a intervenção e existir, em função de todo o índice de criminalidade do Rio, do desmando, dos problemas da polícia, principalmente da falta de liderança do governo estadual, eu entendo que a existência da intervenção é mais positiva do que negativa.

Quem você já ignorou no WhatsApp?


MD
 (risos) Muita gente. Todo mundo ignora muita gente. Mas eu respondo depois. Ninguém conhecido que eu queira dizer.

JA Acho que ninguém. Sempre procuro responder às perguntas que vêm, das pessoas que têm contato comigo. Não me lembro de ter ignorado ninguém no WhatsApp, a não ser algum spam, algum vendedor de algum produto, alguma coisa, mas, fora isso, ninguém conhecido.

Fonte: Reprodução da entrevista concedida á revista Época
Fotos: FILIPE JORDÃO/JC IMAGEM/FOLHAPRESS | PAULO GIANDALIA/ESTADÃO CONTEÚDO

 
 
 

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