Governo de Macron, em crise, diante do triunfo dos coletes amarelos
Entre os traços mais indiscutíveis da identidade nacional francesa estão a propensão à rebelião e a preocupação com o modo de se vestir. Nada mais natural, portanto, que os revoltosos no país recebam alcunhas baseadas em detalhes de suas indumentárias. Os trabalhadores e pequenos burgueses que fizeram a Revolução Francesa, por exemplo, eram chamados de sans-cullotes, pois não usavam os calções que eram moda entre a aristocracia. O presidente Emmanuel Macron, que assumiu a presidência da França há 18 meses, não é o rei Luís XVI, mas enfrenta agora a própria turba de populares pedindo sua deposição nas ruas. “Já cortamos cabeças por muito menos”, avisava uma pichação feita no último sábado, dia 1º de dezembro, no Arco do Triunfo, o monumento napoleônico em Paris, pelos gilets jaunes (“coletes amarelos”), como foram apelidados os manifestantes que pararam — e, em alguns lugares, literalmente incendiaram — a França nas últimas semanas. A polícia francesa diz que tanto anarquistas como ativistas de extrema direita se aproveitaram da mobilização popular para promover depredações e enfrentamentos com a tropa de choque. Cerca de 260 pessoas ficaram feridas e três morreram ao longo de três semanas. Mais de 400 foram presas em Paris.
RECUO PRESIDENCIAL
O nome “coletes amarelos” é uma referência à peça de cor chamativa que todo motorista no país é obrigado a ter no carro e que deve ser vestida em casos de emergência ou problemas mecânicos, para evitar atropelamentos. Os participantes dos protestos escolheram o item como símbolo porque, inicialmente, foram às ruas para se opor a um imposto sobre os combustíveis criado por Macron. A nova taxa serviria para financiar fontes de energia limpas e, dessa forma, cumprir com asmetas de redução de poluição para combater o aquecimento global. Na terça-feira 4, pressionado pelas ruas, Macron mandou seu primeiro-ministro, Édouard Philippe, anunciar a suspensão por seis meses (depois estendido para um ano) do tal imposto. Porém, assim como ocorreu quando o presidente brasileiro Michel Temer cedeu à exigência de baixar o preço do diesel durante a greve de caminhoneiros de maio deste ano, o recuo de Macron pode não ser capaz de encerrar os protestos imediatamente. Alguns líderes dos coletes amarelos disseram que sua pauta de exigências já não se restringia à questão do combustível.
Quando foi eleito presidente, em 2017, Macron conseguiu vender-se como o candidato do novo, como um outsider, ou seja, alguém de fora da política. Ao mesmo tempo, agradou aos eleitores moderados por não estar associado nem à esquerda irresponsável, nem à extrema direita xenófoba. Está claro, com a recente crise política desencadeada pelos violentos protestos de rua, que o encantamento acabou. As importantes reformas que Macron iniciou no ano passado, como a que flexibilizou as leis trabalhistas, estão ajudando a tornar o país paulatinamente mais competitivo, mas o reflexo na geração de emprego e na melhoria das condições de vida é lento — e os franceses menos abastados não agüentam esperar. Como disse Benjamin Cauchy, um dos porta-vozes dos coletes amarelos, sobre a suspensão do imposto sobre os combustíveis: “A luta é pela baguete, não pelas migalhas.” Macron certamente sabe que não pode sugerir — como na mítica declaração atribuída à rainha Maria Antonieta, que morreu na guilhotina da Revolução Francesa — que se o povo não tem baguete, que coma brioches.