Deputado Arthur Maia: “hoje, o projeto da Previdência não seria aprovado na Câmara” – Simões Filho Fm
Redação

Deputado Arthur Maia: “hoje, o projeto da Previdência não seria aprovado na Câmara”


 
 
 

O deputado federal Arthur Maia (DEM) criticou o governo do presidente Jair Bolsonaro por apresentar um novo projeto de Reforma da Previdência para o Congresso Nacional. Relator do texto da reforma proposta no governo de Michel Temer (MDB), o parlamentar baiano afirma que apresentar um novo projeto vai trazer desgaste para o Palácio do Planalto. “Eu me sinto aquele sujeito que se matou para levar a carreta até a metade da carreta e aí chega o Paulo Guedes e coloca a carreta lá em baixo para empurrar outra vez. Esse esforço que já foi feito custou o mandato de muita gente. Dos 23 deputados que votaram a favor do meu parecer, somente 4 se reelegeram. Perdemos pessoas que compunham a elite intelectual do Congresso. E o pessoal do Paulo Guedes colocou isso na lata do lixo. O governo vai pagar um preço muito caro por esse erro”, lamenta, em entrevista exclusiva à Tribuna. No papo, o deputado faz um balanço sobre a nova gestão e critica ainda a ação que culminou na prisão de Temer. “Michel Temer não está condenado nem em primeira e nem em segunda instância. Não vejo nenhuma razão para se fazer uma ação pirotécnica como foi feita”.

O senhor foi relator da Reforma da Previdência no governo Michel Temer. Como avalia essa Reforma da Previdência enviada pelo governo Bolsonaro?

Arthur Maia – São propostas quase idênticas, exceto em alguns novos pontos que são introduzidos na nova Reforma. Os pontos inovadores são, em primeiro lugar, a desconstitucionalização da matéria. Ou seja, tirar a matéria previdenciária do contexto Constitucional. Na prática, significa que em outra futura ocasião, as regras previdenciárias poderão ser modificadas através de maioria simples, e não mais pelo quórum qualificado de 308 votos que é o que se exige para se modificar a Constituição brasileira. Significaria facilitar no futuro as regras da Previdência Social. Pessoalmente, acho um ponto muito difícil de ser aprovado pelo Congresso Nacional, porque é uma matéria muito importante que envolve a vida de todos os brasileiros. É razoável que um tema com essa complexidade seja exigido um quórum mais qualificado. É um ponto que não tinha na Reforma do Temer.

O que muda além da desconstitucionalização, no texto enviado anteriormente?

Maia – Outro ponto que ele modifica é a questão da capitalização. Ele tenta modificar a forma de se constituir previdências no Brasil. Pessoalmente, acho um ponto inóquo nesse momento. Não tem eficiência prática. Hoje no Brasil temos uma Previdência fundamentada no princípio de solidariedade de gerações. Nós estamos trabalhando e pagando a Previdência de quem está aposentado, na esperança de que no futuro, quando atingirmos a idade de nos aposentar, aqueles que vêm atrás de nós trabalhando vão pagar as nossas aposentadorias. Acontece que no Brasil hoje, quando nós fechamos as contas de todas as contribuições previdenciárias que são pagas, ainda falta cerca de R$ 300 bilhões, como foi o caso do ano de 2018. É um dinheiro que precisa ser aportado na Previdência para pagar as aposentadorias. Ora, o que é que o governo Bolsonaro está propondo: que quem entrar no mercado de trabalho no futuro, em vez de ingressar nesse sistema de solidariedade de gerações, ele possa dar a contribuição dele numa conta em separado e ele próprio aportar ali mensalmente a sua Previdência. No futuro, aquilo vai constituir um valor que vai pagar a aposentadoria dele. É isso que é a capitalização. Acontece que eu não vejo como a gente possa implantar isso nesse momento, porque essa transição do sistema de solidariedade de gerações para o de capitalizações tem um custo. Então, o problema de se fazer a capitalização no Brasil não é apenas política. Há uma questão fiscal. Onde vamos buscar os recursos para fazer essa transição? É impossível fazer isso. Não vejo como se fazer essa transição, porque o Brasil está fazendo reforma para diminuir custo da Previdência. Se a reforma for feita como está, vai aumentar o custo da Previdência.

A gente tem o exemplo de países como Chile, que usaram esse sistema e não deram certo. Esse legado negativo deveria se observado também pelo governo brasileiro?

Maia – Acho que o sistema deve ser misto. E penso que o melhor modelo foi justamente aquele apresentado pelo PT. O PT foi quem criou esse sistema da capitalização no Brasil, em 2013, com essa reforma da Dilma. Por que ela não vale para o Brasil inteiro? Porque a Dilma em vez de fazer uma mudança na Constituição para atingir todos os estados e municípios e vale apenas para o Governo Federal. Como funciona: todos os funcionários quem ingressaram na carreira a partir de 2013, passaram a ter direito ao Funpresp, um fundo de capitalização complementar. O sujeito que entrou na carreira pública federal a partir de 2013 está obrigado a cumprir suas obrigações com o INSS. O salário dele, quando recebe, já vem descontado o valor que tem que pagar para o INSS. Isso aí já é cobrado e ponto final. Agora, supomos que seja um juiz federal que ganhe R$ 30 mil, e ele fale que não quer se aposentar ganhando só R$ 5 mil. Então, esse juiz tem direito a fazer uma contribuição complementar para o Funpresp, que é uma conta separada. Só que essa contribuição é optativa. Se ele fizer, ele pode colocar lá até 11% do da diferença entre o teto da aposentadoria e o salário dele. Digamos que ele ganhe R$ 30 mil e o teto do INSS seja R$ 5 mil. Então, 11% de R$ 5 mil ele pode colocar no Funpresp. Então, isso é uma capitalização complementar. A aposentadoria pública foi criada na Alemanha com o propósito de dar as pessoas que já não têm mais como trabalhar um suporte básico para sobreviver. No Brasil isso foi distorcido e isso passou a ser transformado em um salário alto para poder garantir aposentadorias milionárias. É o que está acontecendo com funcionários públicos federal. Vemos alguns se aposentando com mais de R$ 40 mil com menos de 50 anos. Então é isso que é preciso acabar na Reforma da Previdência.

Quais equívocos o senhor apontaria na Reforma e onde está o principal gargalo dela?

Maia – Acho que essas duas mudanças são desnecessárias. A capitalização não pode ser feita. O sistema público não tem como ser feito. O máximo que poderia ser feito é o sistema do Funpresp. Mas a capitalização no modelo que eles estão propondo é uma ideia que não tem como ser implementada. Acho que o Paulo Guedes está criando um problema a mais. Ele deveria se focar nos problemas atuais. Ele diz que no futuro quer aprovar o sistema de capitalização, mas que quer aprovar a lei já agora. Para quê? O problema já é tão difícil e ele já está pensando em resolver problemas futuros. Acho que se a gente resolver os problemas atuais, já vai ser um passo gigantesco para o Brasil. Então, acho que não havia motivo algum para ele colocar a capitalização no projeto, como acho que ele não vai conseguir aprovar a desconstitucionalização. Tirando esses dois itens, o projeto se transforma em uma cópia do nosso parecer. Então, não tem razão para o governo Bolsonaro percorrer esse tortuoso caminho que nós percorremos para levar a reforma até a aprovação final da Comissão Especial. Eu me sinto aquele sujeito que se matou para levar a carreta até a metade da ladeira e aí chega o Paulo Guedes e coloca a carreta lá em baixo para empurrar outra vez. Esse esforço que já foi feito custou o mandato de muita gente. Dos 23 deputados que votaram a favor do meu parecer, somente 4 se reelegeram. Perdemos pessoas que compunham a elite intelectual do Congresso. E o pessoal do Paulo Guedes colocou isso na lata do lixo. O governo vai pagar um preço muito caro por esse erro. E já começou a pagar nessa semana, com aquele tumulto que foi a participação de Paulo Guedes na CCJ. Aquilo foi só um aperitivo, o começo do jogo, e terminou do jeito que terminou. Uma reforma de Previdência não é fácil em nenhum lugar do mundo. É sempre muito difícil, porque as pessoas olham e dizem ‘se não mexer comigo, eu sou a favor, mas se tirar uma lasquinha do meu direito, serei contra’.

Como aconteceu com os militares, deputado? 

Maia – Pois é, exatamente. Então, é um tema dificílimo. O governo, quando jogou fora o nosso projeto e não levou direto para votação no Plenário, avocou para si um problema. E agora eles estão vendo o tamanho que têm. Eles não imaginavam que um problema fosse tão grande. E agora estão diante de um dilema muito difícil. Uma coisa é certa: hoje, o projeto da Previdência não seria aprovado. Se a votação fosse hoje, não teria mais que 120 votos.

Como o senhor vê a estratégia do Planalto para conseguir maioria na Câmara e aprovar esse texto?

Maia – Eu não conheço essa estratégia. Até hoje não foi apresentada para mim. No governo Temer, no governo Lula e no governo FHC, você tinha uma atitude do governo em relação ao Congresso. Existia uma pessoa que coordenava politicamente o trabalho, a movimentação de interesse do governo no Congresso Nacional. Atualmente isso não existe. Não é por incompetência de quem está responsável, no caso o deputado Onyx Lorenzoni, mas é por falta de meios para fazer esse tipo de relacionamento. Tem três tipos de deputados numa votação como essa: aqueles que votarão a favor independente de qualquer coisa, devem ter uns 100 deputados que votarão assim; você tem outra fatia de deputados que vota contra; e tem um grande número de deputados que votará de acordo com a opinião pública, que necessariamente é contra a Reforma. Não adianta modificar esse conceito, mas infelizmente há um conceito equivocado no seio da população brasileira que a Reforma da Previdência é contra os mais pobres. Isso é um erro coletivo. As pessoas internalizaram essa ideia e não temos visto nenhuma movimentação para mudar esse conceito. 

 Falta ao Governo uma melhor comunicação com o Congresso?

Maia – Não acho isso. Acho que o caso é mais grave. Não se trata apenas de comunicação. Imagine se você, que é um homem que está no topo da pirâmide intelectual do país e está na linha dos mais esclarecidos, se você pedir para que eu explique o parecer, nós vamos ficar uma hora aqui explicando os pontos básicos do meu relatório. Então, como explicar isso para uma pessoa analfabeta? Não explica. É muito mais fácil a pessoa ouvir o brado da oposição ‘vão acabar com sua aposentadoria’. O cara analfabeto acredita, pronto e acabou. Nenhum publicitário consegue colocar todos os pontos da Reforma em uma peça, porque é uma infinidade de itens. Então, a propaganda contra esse tema é muito mais eficiente. E você tem contra o tema um discurso simplérrimo, ‘vão acabar com a sua aposentadoria’. Então, apesar de ser uma propaganda mentirosa, é a que fica. Estamos diante de uma realidade muito difícil. Acredito que o governo Bolsonaro vai ter que se debruçar sobre essa articulação, porque do jeito que está, a Reforma não será aprovada.

Qual orientação o senhor daria ao presidente? Qual estratégia indicaria para ele vencer as resistências e aprovar a Reforma?

Maia – Acho que o governo precisa entender que um deputado para votar contra algo que a sua população pensa, precisa ter algo para levar de volta para a sua comunidade. Não é toma lá dá cá, porque quando se fala nisso as pessoas pensam que [o parlamentar] está tomando dinheiro para si. Não é isso. Mas é razoável que o deputado tenha o pleito no município e levar ao município uma obra que vai compensar o desgaste que ele vai ter ao votar em uma matéria que vai contra a opinião pública. Isso é absolutamente compreensível dentro do jogo político. O governo Bolsonaro entende que não, que é errado. É um ponto conceitual que ele tem, paciência. Esse ponto o coloca diante de uma dificuldade objetiva. O próprio presidente Bolsonaro, que se conscientizou da necessidade da Reforma, era radicalmente contra [quando era deputado]. Ele passou a ser a favor a partir do momento que passou a ter a responsabilidade de governar o Brasil e, portanto, reconheceu que é imprescindível fazer a Reforma. 

 O senhor tem noção de quantos milhões de segurados serão impactados diretamente com as mudanças?

Maia – Todos serão impactados. Uns mais ou outros menos.

Fonte: Trbn – Foto: José Cruz – Agência Brasil


 
 
 

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