ENTREVISTA: Brasil tem poucos instrumentos de estímulo à cadeia de reciclagem
Proteção ao meio ambiente, geração de emprego e renda e redução de lixões e aterros sanitários. Esses são alguns dos pontos positivos da reciclagem apontados pelo advogado e consultor em gestão de resíduos e economia circular Fabrício Soler. Em entrevista ao portal Brasil61.com, o especialista critica a falta de estímulos à cadeia produtiva de produtos recicláveis e aponta medidas que considera importantes. Entre elas, a aprovação do projeto de lei 1800/21, que autoriza o aproveitamento de créditos de PIS e Cofins na aquisição de materiais que compõem as cadeias produtivas de produtos reciclados.
A proposta aguarda parecer do relator na Comissão de Constituição, Justiça e de Cidadania (CCJC) da Câmara. Apenso a ele está o PL 4035/21, com conteúdo semelhante, mas que vai além: prevê a isenção de PIS e Cofins para a cadeia de reciclagem. Fabrício Soler defende aprovação das propostas, mas aponta outras medidas que considera necessárias, como a regulamentação da Lei 14.260/21, que estabelece incentivos fiscais e benefícios a serem adotados pela União para projetos que estimulem a cadeia produtiva da reciclagem
Brasil 61: Qual a avaliação do senhor em relação aos mecanismos de incentivo à cadeia de reciclagem hoje?
Fabrício Soler: De forma geral, lamentavelmente o Brasil tem poucos instrumentos econômicos e fiscais de estímulo à cadeia de reciclagem. O que dificulta, por consequência, da cadeia de reciclagem competir com a matéria-prima virgem. Então, ela acaba competindo e aí, como o material reciclável importa melhorias no próprio material para ele ficar competitivo e você tem o próprio desafio do retorno do material reciclado, então se torna contraproducente você explorar o mercado de reciclagem, quando a matéria-prima virgem está em abundância e também tem o valor mais competitivo.
Brasil 61: Tramitam na Câmara dos Deputados projetos que visam a desoneração do setor. Como o senhor avalia essas propostas?
FS: Esse tema já foi objeto de uma decisão do STF lá em 2021. O STF declarou inconstitucional essa possibilidade, esse crédito que as empresas auferiam no caso de Cofins e PIS/Pasep. Então, isso era algo regular até 2021, já acontecia com todos os setores de reciclagem, quando em 2021 o STF julga inconstitucional, reconhece repercussão geral e veta esse creditamento que, na verdade, permitia uma situação favorável para utilização de materiais recicláveis como insumos. Em decorrência dessa decisão do STF, que os projetos de lei, os dois que você comenta, eles buscam resgatar o que até então estava previsto em lei, na Lei do Bem, para permitir essa desoneração da cadeia tendo em vista o impacto da decisão do STF.
Brasil 61: Essas propostas são suficientes para o setor?
FS: O Brasil precisa regulamentar a lei 14.260/21 que é a lei do ProRecicle, que é uma lei que traz incentivos para a indústria da reciclagem. Essa lei, popularmente, de uma forma bem simplista para explicar, é a Lei Rouanet da reciclagem. Permite que as empresas utilizem 1% do imposto de renda para investir em projetos relacionados à cadeia da reciclagem: aquisição de equipamentos, implantação de infraestrutura, organização de redes de comercialização, fomento às cooperativas de catadoras e catadores de materiais recicláveis, uso de novas tecnologias.
Brasil 61: Qual a importância da reciclagem do ponto de vista econômico e ambiental para o país?
FS: O aumento do índice de reciclagem, coleta, investimento, infraestrutura, para aumentar os índices de reciclagem no Brasil potencializa o desenvolvimento de novos negócios e uma nova economia. Potencializa a aderência do Brasil com a agenda de economia circular e os critérios ambientais, sociais e governança do ESG e também, ao definhar esse volume de aterros sanitários e de lixões, nós estamos evitando que recursos sejam encaminhados para disposição final. E muitas das vezes de forma inadequada porque eles vão parar em lixões e porventura podem estar impactando o ambiente quando vão para lixões. Então, o aspecto positivo da reciclagem é aumentar o índice de reciclabilidade dos materiais, gerar emprego e renda às organizações catadores de materiais. Incluí-los, por meio de uma transição justa e inclusiva nas atividades de coleta e reciclagem no Brasil.
Brasil 61: Gostaria que o senhor explicasse a relação da reciclagem com a logística reversa.
FS: Põe duas frentes de trabalho: uma frente pública que é implementar o sistema de coleta seletiva. Com a coleta seletiva, trabalhando com resíduo sólido urbano, você pode ter um aumento dos materiais recicláveis e por consequência um aumento da cadeia de reciclagem. Em paralelo, concomitante, tem uma agenda privada e a atribuição do setor privado empresarial investir em medidas para aumentar o índice de reciclagem no país, por meio de sistema de logística reversa, que são investimentos do setor privado — fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes — para viabilizar o retorno de embalagens e materiais recicláveis para potencializar os índices de reciclagem. Então nós temos uma agenda pública e uma atribuição do setor privado empresarial que, de certa forma, se executado pelos dois agentes, isso potencializa o volume de materiais recicláveis recuperados e também ajuda o Brasil a aumentar os índices de reciclagem dos mais diversos materiais: plástico, papel, papelão, aço, vidro, alumínio.
Fonte: Brasil 61